WARMI SANKOFA AYNI: em quechua e aymara “warmi” significa mulher. Sankofa é o nome de um Adinkra que é representado por um pássaro que apresenta os pés firmes no chão e a cabeça virada para trás, segurando um ovo com o bico. O ovo simboliza o passado, demonstrando que o pássaro voa para frente, para o futuro, sem esquecer do passado. O símbolo é traduzido por: “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Adinkras são um conjunto de ideogramas que eram usados para estampar tecidos de roupas, cerâmica, objetos, entre outros. Surgem com o povo akan, que se localiza nos territórios de Gana e Costa do Marfim (África Ocidental). E por fim “Ayni” em quechua e aymara significa dar e receber, reciprocidade, troca.
“É o entendimento e o estudo da própria marginalidade que criam possibilidade de devir como um novo sujeito.(…) É preciso criar novos papéis fora dessa ordem colonial”
Grada Kilomba
O projeto “WARMI SANKOFA AYNI – Intercâmbio artístico-cultural entre mulheres latinas, negras e indígenas”, nasceu da pesquisa solo da multi-artista Camila Andrade, que em 2023 está completando vinte e três anos de carreira profissional no teatro. Camila Andrade é atriz, performer, diretora, iluminadora, produtora e professora de teatro. Em São Paulo, além de prestar serviços em diversos outros coletivos e instituições, atua em 4 coletivos onde desenvolve sua pesquisa artística e pedagógica. Fundadora do @coletivoquizumba (2008), do @joanas.incendeiam (2009) e do @coletivo.sementes (2016) e integrante do @impulso.coletivo (2007). É professora do curso profissionalizante de atores e atrizes no Teatro Escola Macunaíma e professora da Politeia – escola democrática. Atua como iluminadora desde 2005, tendo atuado em diversos espetáculo de teatro, dança, música e circo e tendo sido duas vezes indicada à prêmios por suas criações.
Desde 2019, a artista vem desenvolvendo trabalho solo em teatro e performance a partir da investigação da história de sua ancestralidade e do estudo da história da colonização no Brasil e seus reflexos na contemporaneidade. Com esta pesquisa foi convidada a realizar performance no IV Congresso Internacional de Teatro Con/Texto Typea em Buenos Aires na Argentina, em setembro de 2019. Em seguida, foi convidada pela artista Alejandra Del Carpio, a participar da Calle – Bienal de performances que teve como tema “Identidades”, e aconteceu em La Paz na Bolívia em novembro de 2019, onde apresentou a performance “Mi pelo, Su pelo”. Com esta pesquisa também foi selecionada para exibir o vídeo performance “sem açúcar” no Laboratório de criação do curso Estudos em Teatro Negro – Módulo III, sobre performances negras, da Pele Negra – escola de teatros pretos de Salvador-BA. Em 2021, foi selecionada para falar sobre a pesquisa no Simpósio Internacional Reflexões Cênicas Contemporâneas, organizado pelo LUME da Unicamp. Todas essas ações foram parte do processo de criação do espetáculo teatral, solo e autoral da artista, que tem montagem e temporadas previstas para 2023.
Nestes eventos em que participou, a artista estabeleceu contato com diversas artistas mulheres latinas. Em dezembro de 2019, organizou e realizou em São Paulo a performance “Origem”, uma ação performática coletiva de mulheres que aconteceu ao mesmo tempo na Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia, México e Colombia, idealizada pelo grupo argentino VIBRAMUJER. Durante suas pesquisas e nas participações das ações narradas acima, Camila se viu parte de uma geração de mulheres latinas, artistas e pesquisadoras, sobretudo, negras e indígenas, que estão performando seus movimentos de descolonização, se opondo a seguirem sendo a base da pirâmide social colonial dos lugares onde vivem. Que estão investindo na descolonização de seus corpos e mentes e produzindo conhecimento e arte a partir desse movimento de se tornarem protagonistas de suas histórias.
Neste movimento, Camila se aproximou dos trabalhos das artistas: Alejandra Del Carpio – La Paz – Bolivia; Egla Monteiro – São Paulo – Brasil; Jessica Esther Moreno – Cidade do México – México; Jhanaína Gomes – Pernambuco – Brasil; Jordana Dolores – Goiás – Brasil; Maribell Ciódaro Pérez – Bogotá – Colombia; Mônica Santana – Bahia – Brasil; Paula Baeza Pailamilla – Santiago- Chile; Tina Mello – Bahia – Brasil e Thais Dias – São Paulo – Brasil. Convocou, então, essas mulheres para iniciar a rede “WARMI[2] SANKOFA[3] AYNI[4] . Ideia que nasceu do desejo de fortalecer as pesquisas dessas mulheres, promovendo encontros e trocas, a fim de criar uma aldeia, um quilombo, uma rede resistente entre essas mulheres que, como indica seu nome, estão no movimento de retornar ao passado para ressignificar o presente e vislumbrar futuros. E para efetivar o encontro desta rede propôs e foi contemplada pelo edital de ocupação dos apartamentos do Polo Cultural e Criativo da Vila Itororó. Propondo intercambio entre as artistas da rede.
Desde a contemplação do projeto e efetivação da parceira realizou as seguintes ações:
- reuniões on-line de aproximação e troca entre as participantes dos diferentes estados e países;
- Recebeu as artistas Alejandra Del Carpio (Bolivia) e Jhanaína Gomes (Pernambuco) para intercâmbio e realização de ações;
- Intercâmbio prático e presencial, em julho de 2021, entre as artistas, Alejandra Del Carpio (bolivia), Jhanaína Gomes (Pernambuco-Brasil), Egla Monteiro (São Paulo/Brasil) e Camila Andrade;
- Criação e produção do vídeo-performance “Identidad Ancestral”, para participação da edição “Amefricanizando o feminismo” do Boteco da Diversidade-SESC Pompeia, julho 2021;
- Transmissão ao vivo do espetáculo solo “Mi Madre” de Jhanaína Gomes, em parceria com a Casa Teatro de Utopias, julho de 2021;
- Grupo de leitura de obras de mulheres pesquisadoras latinas negras e indígenas, aberto à comunidade na Vila Itororó, desde outubro de 2021;
- IV CALLE Bienal de Performance, que reuniu mulheres de diferentes lugares em 26 performances, durante 4 dias, pelas ruas da cidade em torno da Vila Itororó. A Bienal acontece em La Paz desde 2015 e teve sua primeira edição no Brasil com o tema Território-Memória-Ancestral, novembro de 2021. A edição brasileira realizada na Vila e seu entorno aconteceu ao mesmo tempo que a edição boliviana em La Paz e teve a transmissão das vídeos performances em 4 diferentes países;
- Performance “Raíz” de Alejandra Del Carpio na Vila Itororó, março de 2022;
- Ensaios e apresentações do espetáculo “Identidad Ancestral – que segredos guardam os nossos reflexos”, estudo #1, no V Festival Internacional de Teatro Knots-Nudos-Nós, Buenos Aires, janeiro de 2022 e estudo #2, no palco Éden da Vila Itororó, março de 2022;
- Ensaios do espetáculo solo de Camila Andrade;
Com a impossibilidade de hospedar as artistas convidadas do projeto dentro da residência na Vila Itororó o projeto tomou outros rumos e abriu as portas para parcerias com alguns coletivos de teatro. Atualmente são parceires da rede Warmi Sankofa Ayni: o Coletivo Sementes, o Coletivo Quizumba, o Coletivo Joanas Incendeiam e a Cia Manifesta Maria. Esses coletivos têm em comum com a rede Warmi, além da participação da proponente do projeto, trazer à tona em suas pesquisas e ações, questões estruturais urgentes para o país, como o racismo, o machismo, o apagamento e a colonização e visam gerar debate acerca dos efeitos devastadores destas questões. Proporcionando assim, reflexão urgente e atual para a sociedade brasileira e latina, de modo que elas possam vislumbrar se reconstruírem e se reerguerem em novo devir, assim como essas mulheres artistas e pesquisadoras estão fazendo através de seus trabalhos.
Dentro da residência as parcerias desenvolveram ou estão desenvolvendo as seguintes ações:
- Processo de criação e montagem do espetáculo de narração de história “O que em mim ficou – histórias de vô e de vó”; do Coletivo Sementes a partir da investigação das memórias de seus e suas ancestrais;
- Processo de criação e montagem do espetáculo de narração de história “Quizumba no Mafuá do Lima Barreto”, do Coletivo Quizumba, a partir do estudo das memórias e obras do escritor negro Lima Barreto;
- Processo de criação e montagem do espetáculo adulto “Mulheres de dez mil metros de altura”, da Cia Manifesta Maria em parceria com o Coletivo Cênico Joanas Incendeiam. A partir das histórias de mulheres brasileiras que sofreram casos de violência contra mulher e feminicídio, e que tiveram repercussão em seus casos, transformando o movimento feminista e impulsionando a criação de leis de proteção às mulheres;
- Projeto “Beco Itororó”, contemplado no edital do PROAC/22 para montagem de obra inédita. Para a construção desta obra inédita o coletivo Sementes está pesquisando a obra Becos da Memória de Conceição Evaristos e as histórias dos antigos moradores da Vila Itororó;
- Ensaios do espetáculo “Querem nos enterrar, mas somos sementes” , contemplado na 15a edição do Prêmio Zé Renato de Teatro da cidade de São Paulo.
As parceiras estão fortalecendo e dando mais sentido para a ocupação do espaço público. Os temas discutidos dentro dos projetos são: colonização e condição da mulher negra e indígena em Abya Yala; descolonização; ancestralidade, epistemicídio negro e indígena; autobiografia como propulsora em processos de criação em arte, violência de gênero, literatura negra, etc. Fortalecendo os trabalhos individuais e coletivos e um imaginário de reconstrução das memórias de nossos povos negros, indígenas e empobrecidos.
Minibio Camila Andrade
Licenciada em artes cênicas no Instituto de Artes da UNESP (2006) e formada no curso profissionalizante de atores e atrizes do teatro Escola Macunaíma (1999), Camila Andrade é multiartista , produtora e professora de teatro com 23 anos de carreira. Em São Paulo, fundou coletivos de Teatro: Coletivo Quizumba (2008), Coletivo Joanas Incendeiam (2009), Coletivo Sementes (2017) e é integrante do Impulso Coletivo (2007). Fundou ainda a Coletiva Corpo Território (2020) conexão Bolívia–Brasil. Nesses grupos atua como atriz, performer, diretora, produtora, arte-educadora e iluminadora. Com seus projetos foi contemplada com editais a nível municipal (VAI I, VAI II, Fomento ao Teatro, Lei Aldir Blanc, Prêmio Zé Renato), estadual (ProACs edital) e nacional (Prêmio Myriam Muniz de Teatro). Fundou a rede internacional Warmi Sankofa Ayni, que reúne mulheres negras e indígenas de vários países e teve projeto contemplado no edital de residência artística do Centro Cultural da Vila Itororó. Atua na formação de atores e atrizes no Teatro Escola Macunaíma desde 2012. Atua como iluminadora de teatro, dança, música e circo desde 2005, tendo sido duas vezes indicada a prêmios. Desde 2017 integra a rede internacional de teatros de grupos Knots.Nudos.Nós, na edição de 2019 foi convidada a dirigir o processo de criação coletiva, que reuniu 50 artistas de várias nacionalidades em Tucuman, Argentina.
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